A revisão sistemática intitulada “Effect of alcohol on blood pressure“, realizada por S. Tasnim, C. Tang, V.M. Musini e J.M. Wright foi um estudo que investiou os efeitos agudos do álcool na pressão arterial e na frequência cardíaca em adultos. Esta revisão sistemática examinou os efeitos agudos (de curto prazo) de diferentes doses de álcool na pressão arterial e na frequência cardíaca em adultos. Com isso, sintetizou dados de múltiplos ensaios clínicos randomizados (RCTs) para fornecer uma compreensão abrangente dos efeitos do álcool ao longo do tempo.
Introdução e Contexto
O álcool é uma das substâncias mais consumidas no mundo, com mais de 2 bilhões de pessoas que o consomem. Em decorrência desse fato, seu uso excessivo está ligado a mais de 200 doenças, incluindo a hipertensão. A hipertensão, definida como pressão arterial sistólica (PAS) acima de 140 mmHg ou pressão arterial diastólica (PAD) acima de 90 mmHg, é uma condição de saúde comum que afeta cerca de 31% da população adulta mundial. Além disso quando não tratada aumenta o risco de complicações graves como AVC, ataque cardíaco, insuficiência renal e cegueira. Fatores ambientais, como o consumo excessivo de álcool, são contribuintes bem conhecidos para a hipertensão.
O objetivo principal desta revisão foi quantificar os efeitos agudos do álcool na pressão arterial e na frequência cardíaca, comparando diferentes doses de álcool com um placebo. O objetivo secundário foi avaliar a relação entre dose e tempo de consumo. A revisão incluiu RCTs que compararam uma dose única de álcool com placebo em adultos com 18 anos ou mais.
Metodologia da Revisão
A revisão incluiu 32 ensaios clínicos randomizados (RCTs) com um total de 767 participantes. A maioria dos participantes (N=642) era do sexo masculino e saudável, com uma idade média de 33 anos e peso corporal médio de 78 kg. Isso é uma limitação importante, pois os resultados se aplicam principalmente a homens jovens e saudáveis, e não a mulheres ou pessoas com hipertensão.
Os autores da revisão categorizaram as doses de álcool da seguinte forma, baseando-se em diretrizes canadenses:
- Dose Baixa: ≤ 14 g de álcool (ou ≤ 1 dose padrão).
- Dose Média: > 14 g a ≤ 30 g de álcool para homens e > 14 g a ≤ 20 g para mulheres.
- Dose Alta: > 30 g de álcool para homens e > 20 g para mulheres.
Os desfechos primários avaliados foram a mudança na pressão arterial sistólica e diastólica em três períodos de tempo após o consumo:
- Curto Prazo: até 6 horas.
- Intermediário: 7 a 12 horas.
- Tardio: ≥ 13 horas.
O desfecho secundário foi a mudança na frequência cardíaca nos mesmos períodos de tempo. Dois revisores independentes extraíram e avaliaram os dados, garantindo a precisão e a objetividade.
Principais Resultados e Efeitos da Dose de Álcool
1. Efeitos da Dose Baixa de Álcool (< 14 g)
Apenas 2 RCTs, com um total de 28 participantes, foram incluídos nesta categoria.
- Pressão Arterial: A dose baixa de álcool não teve efeito significativo na pressão arterial sistólica ou diastólica dentro de seis horas.
- Frequência Cardíaca (FC): Houve um aumento significativo da FC. A FC aumentou em 5,1 bpm (intervalo de confiança de 95%: 1,9 a 8,2) em comparação com o placebo, com evidência de certeza moderada.
A evidência para a pressão arterial foi de baixa certeza, o que sugere que o efeito real pode ser substancialmente diferente do estimado.
2. Efeitos da Dose Média de Álcool (14 a 28 g)
- Efeitos em até 6 horas:
- Pressão Arterial: A dose média de álcool levou a uma redução significativa da pressão arterial. A PAS diminuiu em 5,6 mmHg (95% CI: -8,3 a -3,0) e a PAD diminuiu em 4,0 mmHg (95% CI: -6,0 a -2,0). A certeza da evidência para ambos foi moderada.
- Frequência Cardíaca: A FC aumentou significativamente em 4,6 bpm (95% CI: 3,1 a 6,1), com evidência de certeza moderada.
- Efeitos de 7 a 12 horas e > 13 horas:
- A revisão não encontrou alterações significativas na pressão arterial ou na frequência cardíaca nestes períodos de tempo. Contudo, a evidência para esses resultados foi de baixa certeza, o que limita a confiança nessas descobertas.
3. Efeitos da Dose Alta de Álcool (> 30 g)
- Efeitos em até 6 horas:
- Pressão Arterial: A dose alta de álcool reduziu a pressão arterial. A PAS diminuiu em 3,5 mmHg (95% CI: -6,0 a -1,0) (evidência de certeza moderada) e a PAD diminuiu em 1,9 mmHg (95% CI: -3,9 a 0,04) (evidência de baixa certeza).
- Frequência Cardíaca: A FC aumentou significativamente em 5,8 bpm (95% CI: 4,0 a 7,5), com evidência de certeza moderada.
- Efeitos de 7 a 12 horas:
- Pressão Arterial: A redução na pressão arterial persistiu. A PAS diminuiu em 3,7 mmHg (95% CI: -7,0 a -0,5) (evidência moderada) e a PAD diminuiu em 1,7 mmHg (95% CI: -4,6 a 1,8) (evidência de baixa certeza).
- Frequência Cardíaca: A FC continuou a aumentar, com um aumento de 6,2 bpm (95% CI: 3,0 a 9,3) (evidência moderada).
- Efeitos ≥ 13 horas após o consumo:
- Pressão Arterial: Nesta fase, os efeitos se reverteram. A pressão arterial aumentou significativamente. A PAS subiu em 3,7 mmHg (95% CI: 2,3 a 5,1) e a PAD aumentou em 2,4 mmHg (95% CI: 0,2 a 4,5), ambos com evidência de certeza moderada.
- Frequência Cardíaca: A FC permaneceu elevada, com um aumento de 2,7 bpm (95% CI: 0,8 a 4,6) (evidência moderada).
4. Possíveis mecanismos
Embora os mecanismos exatos pelos quais o álcool afeta a pressão arterial não sejam totalmente claros, a revisão mencionou várias hipóteses:
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- Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona (SRAA): O consumo agudo de álcool pode aumentar a atividade da renina plasmática, levando à produção de angiotensina II, um potente vasoconstritor que aumenta a resistência periférica e o volume sanguíneo.
- Sistema Nervoso Simpático: O álcool pode estimular o sistema nervoso simpático e aumentar a noradrenalina, o que eleva a frequência cardíaca e a pressão arterial.
- Sensibilidade do Barorreceptor: O álcool pode diminuir a sensibilidade dos barorreceptores, que são essenciais para regular a pressão arterial, levando a uma resposta inadequada às mudanças na pressão.
- Níveis de Cortisol: O consumo de álcool, especialmente em doses elevadas, pode aumentar os níveis de cortisol, um hormônio esteroide associado à elevação da pressão arterial.
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Conclusões e Implicações
Os autores da revisão concluíram que o álcool em doses altas tem os seguintes efeitos na pressão arterial: inicialmente diminui por até 12 horas após o consumo e, após esse período, ocorre um aumento por mais de 13 horas depois. Em contraste, a frequência cardíaca aumenta consistentemente em todos os momentos avaliados (até 24 horas) após o consumo de álcool, independentemente da dose.
É importante notar que a maioria dos participantes nos estudos eram homens jovens e saudáveis. Isso significou que os resultados se aplicam principalmente a essa população e que os efeitos em mulheres ou em indivíduos com condições de saúde pré-existentes, como hipertensão, podem ser diferentes. Por exemplo, estudos anteriores sugeriram que mulheres são mais afetadas do que homens ao consumir a mesma quantidade de álcool, devido a fatores como menor peso corporal e maior percentual de gordura.
Em suma, essa revisão sistemática confirmou o complexo efeito do álcool na pressão arterial e seu impacto consistente no aumento da frequência cardíaca, fornecendo uma base sólida de evidências para compreender os efeitos agudos do álcool no sistema cardiovascular em homens saudáveis.