Quando pensamos na doença de Alzheimer (DA), geralmente nos lembramos da perda de memória e das placas de proteínas que se acumulam no cérebro. Mas e se a causa principal não fosse apenas genética, mas também um problema de nutrição, algo que o nosso corpo precisa e não está recebendo o suficiente?
Um estudo recente de Aron, Ngian e colaboradores (2024) sugere uma nova conexão entre a deficiência de lítio no cérebro e o desenvolvimento da doença de Alzheimer. Publicada na prestigiada revista Nature, sugere exatamente isso: um desequilíbrio de metais essenciais no cérebro, especialmente a deficiência de lítio, pode ser um dos fatores ambientais que aceleram o desenvolvimento do DA. Este estudo lança uma nova luz sobre a doença, mostrando que o problema pode não ser a toxicidade de metais, mas a falta de um deles.
A conexão entre a deficiência de lítio no cérebro e pacientes com Alzheimer
O estudo começou analisando 27 metais no cérebro e no sangue de pessoas idosas, incluindo aquelas com cognição normal, aquelas com o primeiro estágio do DA (Comprometimento Cognitivo Leve Amnéstico – CCLA) e aquelas com o DA completo. A descoberta mais notável foi que, de todos os metais, apenas o lítio estava significativamente reduzido no córtex pré-frontal, uma área do cérebro muito afetada pelo DA.
Essa deficiência de lítio foi observada tanto em pessoas com CCLA quanto em pacientes com DA, sugerindo que ela pode ser um problema precoce na doença. Além disso, a quantidade de lítio no sangue não era diferente entre os grupos, o que indica que a deficiência é um problema específico do cérebro.
A pergunta que os pesquisadores fizeram em seguida foi: por que o lítio está faltando no cérebro? Eles descobriram a resposta ao analisar a distribuição do lítio em pacientes com DA e em modelos de camundongos.
O lítio é sequestrado
A principal característica do Alzheimer é o acúmulo de placas da proteína beta-amiloide (Aβ) no cérebro. Os cientistas notaram que, em todos os casos de CCLA e DA que eles analisaram, o lítio estava altamente concentrado dentro dessas placas de Aβ.
Isso significa que as placas de proteína agem como uma espécie de “esponja”, sequestrando o lítio e impedindo que ele cumpra suas funções no cérebro. Em outras palavras, a patologia do Alzheimer está, na verdade, roubando o lítio do cérebro, tornando-o deficiente. Essa é uma descoberta fundamental, pois sugere uma causa para a deficiência, e não apenas uma coincidência.
Lítio e sua deficiência
Para entender as consequências da deficiência de lítio, os pesquisadores realizaram um experimento em modelos de camundongos com e sem predisposição ao Alzheimer. Eles deram a alguns camundongos uma dieta com baixo teor de lítio. Os resultados foram alarmantes e surpreendentes:
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- Aceleração da Patologia do Alzheimer: Os camundongos geneticamente predispostos ao DA que receberam a dieta com deficiência de lítio mostraram um aumento significativo no acúmulo das placas de beta-amiloide e de outra proteína tóxica, a tau fosforilada. Isso aconteceu muito mais rapidamente do que nos camundongos que receberam uma dieta normal.
- Perda de Memória: A deficiência de lítio causou uma perda de memória notável nos camundongos. Eles tiveram um desempenho ruim em testes de memória e aprendizado, mostrando que a falta de lítio prejudica a função cognitiva tanto em modelos de DA quanto em camundongos sem a doença, que apenas estão envelhecendo.
- Danos na Estrutura Cerebral: O estudo também mostrou que a deficiência de lítio causou danos significativos em partes cruciais do cérebro. Houve uma perda de sinapses e de mielina. Esses danos estão diretamente ligados aos sintomas do Alzheimer, como a perda de memória.
- Ativação de Células Inflamatórias: A falta de lítio no cérebro ativou as microglias, que são as células de defesa do cérebro, tornando-as mais inflamatórias. Além disso, a deficiência de lítio prejudicou a capacidade das microglias de remover as placas de beta-amiloide, o que acelera ainda mais a doença.
Em suma, a pesquisa mostra que o lítio é um defensor crucial contra os danos do Alzheimer. Quando está em falta, o cérebro se torna mais vulnerável à doença, acelerando a formação de placas, danificando os neurônios e impedindo que o próprio sistema de defesa do cérebro.
Um Novo Olhar para o Tratamento: Lítio que Evita as Placas
A medicina já usa o lítio, mas o carbonato de lítio (Li2CO3), a forma mais comum, causa efeitos colaterais e pode ser difícil de administrar. Além disso, os pesquisadores descobriram que o Li2CO3, por ser uma molécula iônica (carregada), é mais facilmente sequestrado pelas placas de Aβ.
Essa observação levou a uma ideia: e se eles pudessem encontrar uma forma de lítio que não fosse sequestrada pelas placas e pudesse chegar às partes do cérebro onde é realmente necessária?
Eles testaram o orotato de lítio (C5H3LiN2O4), uma forma orgânica do lítio. Descobriram que o orotato de lítio se liga muito menos às placas de Aβ do que o carbonato de lítio. Quando ele foi administrado, foi capaz de penetrar no cérebro e aumentar a quantidade de lítio “livre”, sem ser capturado pelas placas.
O resultado mais impressionante foi que o tratamento com uma dose baixa de orotato de lítio foi capaz de prevenir completamente o acúmulo de placas de Aβ e de tau fosforilada em camundongos com DA. Além disso, restaurou o número de neurônios, protegeu a mielina e reverteu a ativação das microglias. Em outras palavras, o orotato de lítio conseguiu parar o avanço do Alzheimer nesses modelos animais.
Conclusão: Um Futuro Promissor
Este estudo é um marco na pesquisa do Alzheimer. Ele oferece uma nova teoria sobre a causa da doença — a deficiência de lítio — e, mais importante, apresenta uma solução terapêutica promissora. A descoberta de que o orotato de lítio pode ser uma forma mais eficaz de tratamento abre caminho para novos testes em humanos.
Embora mais pesquisas sejam necessárias, este trabalho sugere que um suplemento de lítio pode ajudar a prevenir e até mesmo tratar o Mal de Alzheimer. Essa é uma notícia esperançosa para milhões de pessoas em todo o mundo.
Referência:
1- Aron, L., Ngian, Z.K., Qiu, C. et al. Lithium deficiency and the onset of Alzheimer’s disease. Nature (2025). https://doi.org/10.1038/s41586-025-09335-x